sábado, 10 de maio de 2008

2º. Dia

Fomos os últimos a sair do albergue, corridos pelas empregadas da limpeza.
A leitura do dia foi a da 2ª. Carta aos Coríntios, 11,16 – Trabalhos de S. Paulo:

“…eu ainda mais: muito mais pelos trabalhos, …muitas vezes em perigo de morte. Cinco vezes recebi dos Judeus os quarenta açoites menos um. Três vezes fui flagelado com vergastadas, uma vez apedrejado, três vezes naufraguei, e passei uma noite e um dia no alto mar.
Viagens a pé sem conta,
Perigos nos rios,

Trabalhos e duras fadigas,
Muitas noites sem dormir,
Fome e sede,
Frequentes jejuns, frio e nudez!

Não caminhamos segundo o mesmo espírito?
Não seguimos os mesmos passos?”.


Ficámos alertados: sabíamos com o que teríamos de contar a partir dali…

Seguimos rumo a Palas de Rei atravessando a localidade, ao lado da imponente igreja local.


A igreja de Portomarín

Passámos por localidades pequeninas, que mais parecem casais do que aldeias. Em cada uma apenas um, dois, no máximo três lavradores…
Por localidades pequeninas ...

A chuva ameaçava e, depois de termos subido uma encosta bastante íngreme, voltámos à estrada onde deparámos com um abrigo de fibra de vidro, paragem ocasional dos autocarros. Ali esperámos pelos que vinham mais atrás e em boa hora o fizemos porque ainda não nos tínhamos juntado todos e já uma pesada bátega caía sobre nós.
É engraçado como, quando precisamos, quase sempre surge um abrigo no caminho. Assim aconteceu na véspera e voltou a acontecer neste dia na primeira parte do percurso em que encontrámos um simpático cabanal no pátio aberto de uma casa rústica.



Um coberto providencial

Vimos igrejas pequeninas, românicas umas, rústicas outras, em Gonzar, em Castromaior, em Hospital e em Ligonde.


Outras igrejas do percurso
Tomámos café em Castromaior.
Ligonde é uma localidade maior que as demais do percurso, sem deixar de ser aldeia. Ali existia o cemitério dos peregrinos, e lá se situa a Casa de Carneiro onde se hospedou Carlos V e pernoitou o Rei Filipe II de Castela.

Casa de Carneiro

Pelo caminho perdi o meu telemóvel que ficou algures sem pio nem brio.
Algumas subidas sacrificaram-nos mais do que esperávamos mas conseguimos chegar a Palas de Rei às 19,00 horas de Espanha.


A subida da COREN...

O albergue – O Chacota – é bom e amplo, mas fica à entrada da localidade e a cerca de 1500 metros do centro. Por isso, para que pudéssemos saborear uma refeição quentinha tivemos de ir às compras. Foi um extra de mais 3 Km para ir e vir…
A inscrição no Chacota

A Sofia esmerou-se na massa (será que sabe cozinhar mais alguma coisa?) e abusou da quantidade. Vê-se que não está habituada…
Mas o que ela sabe é fazer compras! Num mini onde fomos, ofereciam uma garrafa de vinho na venda de uma empada. Para esfomeados como nós empada é luxo. Mas vinho quem o queria?!...
Aí, a Sofia lembrou-se e sussurrou-nos:
- E se “ela” – a dona – aceitasse trocar o vinho por leite?
- Boa!... – Anuímos nós. O “nós” era o J. Amaral e eu.
E parecia a ministra da educação e o sindicato a negociar a avaliação… Dos três litros de leite que a Sofia propôs desceu-se para dois e lá viemos nós com menos dois litros de leite pagos para o pequeno-almoço do dia seguinte e mais uma empada para o almoço ou jantar…

A noite foi de anjos, com boa cama e barriga cheia.

Passara a tarde, findara a noite, e veio a manhã: foi o segundo dia.

5 comentários:

Marta disse...

etapa dolorosa esta...
soube tão bem ter um colchão para dormir, ter água mais ou menos quente para tomar banho depois de tantos quilómetros e tantas aflições, ter uma refeição quente, companhia para falar e dormir..

gosto de vocês todos, sinto uma saudade imensa!!

e amanha faço um comentário tipicamente meu, daqueles grandes..agora é hora de nanar porque amanha há aulinhas!

um beijo meu em todos*

Anónimo disse...

Ao contrário do que aconteceu com todos os outros, esta etapa foi, para mim, bastante fácil a nível físico. Ainda estava fresca, estava contente por ainda não sentir o joelho a reclamar (coisa para que contribuiu muito o Voltaren, diga-se...) mas, acima de tudo, andei num ritmo bastante lento.

Aquela subida que assustou toda a gente pela canseira que iria ser, assustou-me pelo tempo que iria demorar e pelo sofrimento que iria causar (não a mim...)

Custou a passar este dia, foi difícil, foi o mais difícil. O que mais custa não é a parte física, disso não há dúvidas. O que mais custa é sentirmo-nos impotentes perante o sofrimento dos outros, perante o nosso próprio sofrimento.
O meu dia mais 'difícil' o ano passado ficou, sem dúvida, marcado pelo sofrimento físico, mas custou-me, essencialemente, perceber que era mais difícil do que o que estava à espera, que estava a atrasar o grupo, que estava "chata", e por isso resisti sempre quando me quiseram levar a mochila. Foi isso o que mais custou, o sentir que não estava a conseguir. Mas a verdade é que consegui, e conseguimos todos!

Apesar de lento, foi um dia bom. Foi um dia em que mais do que para mim, olher para e por quem ia ao meu lado, e sabe bem ao fim do dia pensar que, apesar de pouco, fizemos o dia de alguém melhor.

Foi também nesse dia que recebi uma notícia... estranha. Boa, mas estranha como muitos o poderáo dizer.

(agora é hora de jantar, mas prometo acabar daqui a pouco)

Anónimo disse...

O último km soube bem...! Embora não tenha gostado especialmente da ideia de deixar o JoãoC sozinho, sabia que ambos precisávemos daquele último km só para nós.

Depois de um dia a andar lentamente, soube bem acelerar o passo e saber que a partir daí dependia só de mim. Chegar ao albergue foi... muito bom! Tal como prometido tinha a Marta à minha espera para o banho. A água era quase fria, é certo, mas foi bom voltar para o seio do grupo.

Também soube bem aquele momento parvo (do qual há milhões de fotos, cada qual mais assustadora que a anterior) passado numa qualquer cama a rir, chorar, sonhar... (como sempre fazemos, eu e a Marta).

O jantar foi divinal, o ambiente estava muito bom, começavam-se a criar laços, já era bem visível uma cumplicidade entre todos, já não importava a idade, todos brincamos, rimos, dissemos parvoíces e coisas mais ou menos sérias. Foi o dia das dádivas... lembram-se? Acho que cada um à sua maneira soube interiorizar a dádiva que lhe foi concedida e todos nos esforçamos por usufruir dela.

Nesse albergue... hhmm... digamos que as meninas tiveram alguns 'problemas' com a janela que dava para a entrada do albergue! :)

a noite foi de conversa, de massagens, de estreitamento de laços entre os cinco mais novos! Juro que demos o nosso melhor para não deixar os mais velhos dormir! Eheh.

Nessa noite adormeci com um sorriso sereno nos lábios, começava a experienciar a mansidão que O Caminho nos traz.

Estava a desligar-me do quotidiano rotineiro, estava a embrenhar-me no Caminho, e a prova disso é que sonhei que as únicas calças que levei para andar estavam secas (eu tinha-as lavado na noite anterior porque estavam um pouco 'embostadas' das vacarias por onde fomos passando, e tinha-as pendurado no radiador a secar). Já dizia Freud que os sonhos são a manifestação dos desejos secretos do inconsciente, o único desejo que tinha, a minha maior preocupação era que as calças secassem... tudo o resto não importava!

Sabem? É bom escrever sobre O Caminho, recordar estes momentos de paz interior, de simplicidade... de união!

Beijos meus para cada um de vós!

Anónimo disse...

se calhar fiz um comentário um bocadinho grande mas... não é fácil resistir!! (:

Marta disse...

é destes comentários grandes que eu gosto, especialmente! :D

mas hoje não me vou alongar porque, afinal de contas, a rita disse muito do que eu poderia dizer..

esta etapa fi-la ao lado da mariana e, a partir da paragem depois da subida " assustadora ", tambem na companhia do fábio. umas vezes tambem com a sofia, o carlos e o joaoA, mas essencialmente nós os tres a puxar uns pelos outros. a cantar desinibidamente, a receber elogios de estrangeiros pelo bom concerto de rua, enfim... não posso dizer que nao estava cansada, estava muito! mas o espirito estava em alta, a força interior levava-nos a seguir o Caminho e a ultrapassar as metas que fossem necessárias para chegar onde Deus nos levasse... onde os nossos pés e a nossa vontade subissem e sonhassem :)

é tão bom lembrar..sonhar com tudo isto e mostrar aos outros o quão bom é este sonho..

porque, afinal de contas..

ELES NÃO SABEM, NEM SONHAM QUE O SONHO COMANDA A VIDA...