quarta-feira, 15 de abril de 2009

Canto da Estrada




Canto da Estrada
Amauri Sólon Ribeiro

A névoa densa
Ainda encobre o sol
Que mais se parece
Com a lua
Da noite
Que já passou

Os primeiros raios
Iluminam as gotas
De orvalho
Que a longa noite
Plantou

As folhas enluaradas
Da imbaúba
Se destacam na floresta
Adormecida
E quase cinza

De repente
A sinfonia
Sincrônica
Assimétrica
E colorida

Nos íngremes
Contrafortes
Da montanha sólida
Os pássaros acordam
A manhã
E a estrada vazia

Caminhantes
Ensaiam passos tímidos
Na estrada
Que o sol aquece
Devagar

O sol claro
Desnuda os horizontes
Que se oferecem
Longínquos
Aos viajantes

A mão que segura
O cajado
Limpa o suor da testa
Faz o sinal da cruz
E acena para quem ficou

Agora que já não sou
Procuro por quem serei
Na estrada que me fascina

Minha sina
Meu destino
Na estrada que me seduz

Meu pranto
Meu acalanto
Meu riso
Minha alegria

Agora é sol a pino
Ando eu
E corre o dia

A tarde chega
E me encontra
Sentado à beira da estrada
Ouço o pio do nhambu
chitão ou xororó
Ouço o barulho da águas
Que correm
Na cachoeira

Levanto e aperto o passo
Que a negra noite já vem
E logo chega

O sol já se despediu
E lua
Essa noite não tem

Na porta amiga da casa
A mão estendida oferece
Calor, comida e pousada

Assim encerro meu dia
Assim minha noite começa
Sonho sonhos do caminho
Ouço causos
Rezo prece
E adormeço

Assim
Calado
Canto meu canto
Cantando os encantos
Que vi
Com olhos
De quem se espanta
Por essa vida
Desastrada

É esse meu canto
Calado
É esse o meu canto
Da estrada



Apesar de ser um texto em portugues do brasil (olhem que bem!), agradou-me porque me fez lembrar o Caminho deste ano! O levantar cedo, o ouvir os pássaros, ver o sol aparecer,sentar à beira da estrada para almoçar..soa familiar? À excepção da chegada ao albergue à noite achei que este poema descrevia a nosso Via da Prata na perfeição :)

Mariana, a Irónica

1 comentário:

Rita, a Porta-Chaves disse...

"Assim
Calado
Canto meu canto
Cantando os encantos
Que vi
Com olhos
De quem se espanta
Por essa vida
Desastrada"

são os olhos de quem está no caminho, os olhos de quem se espanta... uns olhos bem diferentes de quem vive atarefadamente um dia a dia na urbis. Porque é que O Caminho é tão bonito? Porque nós assim o vemos, porque olhamos com os olhos de uma criança para quem tudo é novo, porque nos sentimos bem e procuramos beleza, e ei-la!

No entanto, o desafio é encontrar beleza no Caminho que começa em Santiago.